“ELEIÇÕES NÃO FORAM JUSTAS NEM TRANSPARENTES”

«O MC-MUDEI é um movimento cívico e apartidário pela verdade eleitoral que, com este Posicionamento Público, pretende partilhar com todas e todos a sua análise, apoiada em evidências, sobre o processo eleitoral.

O Movimento Cívico MUDEI afirma, categoricamente, que as Eleições Gerais de 24 de Agosto de 2022 não foram justas nem transparentes e resultaram na perversão dos princípios que devem reger um Estado verdadeiramente Democrático e de Direito.

O MUDEI recorre aos seguintes factos que marcaram o processo eleitoral em Angola para fundamentar a sua posição:

EM RELAÇÃO AO CONTEXTO E AMBIENTE LEGAL

De forma consistente e unilateral foram utilizadas as instituições e as leis de forma discricionária para dar uma vantagem indevida a quem pretende preservar o poder, como se pode demonstrar pelos factos abaixo:

1º O Conselho da Magistratura Judicial designa Manuel Pereira da Silva, presidente da Comissão Nacional Eleitoral, a 16 de Janeiro de 2020. A 24 de Janeiro de 2020, a UNITA introduz uma providência cautelar para impedir a investidura do designado. O juiz-conselheiro do Tribunal Supremo de Angola, Agostinho António Santos e outros três candidatos que perderam o concurso à presidência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), pedem a nulidade do processo, a suspensão da tomada de posse de Manuel Pereira da Silva, por inadequação do perfil do candidato e irregularidades na candidatura. O Tribunal Supremo até hoje não se pronunciou.

2º A Assembleia Nacional aprova, a 21 de Março de 2021, a proposta presidencial de Revisão Pontual da Constituição da República de Angola. Entre outras questões, versa sobre: a clarificação dos mecanismos de fiscalização política do Parlamento sobre o poder executivo; e assegurar o direito de voto aos cidadãos angolanos no exterior do país.

i) Esta revisão pontual, além de ter retirado à Assembleia Nacional o poder de interpelação directa do Presidente da República, não respeitou o disposto na Carta Africana da Democracia, das Eleições e da Governação, Capítulo IV, “Da Democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Humanos”, o Artº. 10ª, 2.

3º A Proposta de Revisão da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, por iniciativa do Presidente da República. A UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA, subscrevendo uma declaração conjunta, contestam a forma final da lei por não garantir lisura, transparência e verdade eleitoral. As organizações da sociedade civil angolana contestam e questionam o rumo do processo democrático (VOA, 4 Setembro 2021). A lei foi aprovada a 23 de Novembro de 2021.

4º A substituição do Presidente do Tribunal Constitucional. À aprovação da proposta de revisão constitucional por iniciativa presidencial, na Assembleia Nacional, segue-se a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional (TC). Onze juízes deliberaram sobre esta acção, sete aprovaram e quatro votaram contra, por considerarem inconstitucional. Contudo, por serem minoria, foram voto vencido, incluindo o juiz presidente Manuel Aragão que considerou que se estaria perante “um suicídio do Estado Democrático de Direito” e a 12 de Agosto de 2021, terá solicitado a jubilição e não a demissão conforme divulgado inicialmente nos Média.

5º A 19 de Agosto de 2021, Laurinda Cardoso, membro do Bureau Político do MPLA, toma posse como juíza presidente do TC. Apesar de, no seu discurso de tomada de posse, ter afirmado que o “Tribunal Constitucional deve posicionar-se acima das querelas político-partidárias, não estar ao serviço de interesses específicos de partidos políticos”, Laurinda Cardoso negligenciou 8 processos que aguardavam a apreciação do TC, para priorizar o acórdão n.º 700/2021 que anula o 13.º Congresso da UNITA que elege presidente do partido, Adalberto Costa Júnior.

6º Registo Eleitoral Oficioso. Decorre de 23 de Setembro de 2021 a Março de 2022, com a expectativa de alcançar mais de 12 milhões de eleitores, para “assegurar que todos os cidadãos maiores, com capacidade eleitoral passiva, possam actualizar o seu registo eleitoral para exercerem o seu direito de voto nas eleições gerais de 2022”.

i) Informou-se que o registo eleitoral seria efectuado nos Balcões Únicos de Atendimento Público (criados para implementação das Autarquias), com a emissão de um cartão de munícipe, mediante apresentação do cartão de eleitor ou do Bilhete de Identidade (BI), levantando dúvidas que nunca foram dissipadas, resultando na morosidade do atendimento e déficit de cobertura.

ii) A 7 de Abril de 2022, o Ministério da Administração e Território revelou ter cerca de 14 milhões de eleitores, mas o titular da pasta Marcy Lopes remeteu a divulgação dos dados do registo eleitoral para o momento de entrega do ficheiro informático de cidadãos maiores à Comissão Nacional Eleitoral, na medida em que, nessa altura “nós teremos eliminado os falecidos e os condenados com penas transitadas em julgado por algum tribunal”.

7º Mortos no caderno eleitoral. Os serviços disponibilizados para consultar os dados dos eleitores funcionaram, também, para descobrir que no universo de votantes das eleições gerais de 24 de Agosto de 2022 mais de 2 milhões estão falecidos.

8º Pré-campanha eleitoral. Meses antes do pleito eleitoral, já se exibiam bandeiras no espaço público contrariando o previsto na lei. A agenda e o discurso político iniciada pelo partido no poder manteve uma tónica eleitoralista desde o início de 2022. As inaugurações foram reservadas para o fim, num périplo pelas províncias com actos governamentais à sexta e comícios ao sábado, fazendo uso despudorado dos meios públicos. Tudo isso, à margem da lei, sobretudo, eleitoral.

9º A aprovação de novos partidos. A três meses das eleições gerais (Maio de 2022), dois novos partidos, formados por dissidentes do maior partido na oposição, foram aprovados pelo Tribunal Constitucional, que ainda mantém pendentes processos de aprovação de outros partidos, tendo indeferido a aprovação do PRA-JA.

10º A aprovação da Lei das Sondagens e Inquéritos de Opinião. A cerca de duas semanas do início da campanha, esta lei visou ampliar o controlo, pelo executivo, da produção e circulação de informação de interesse público, particularmente as sondagens eleitorais visando estudar a tendência de voto.

A CAMPANHA ELEITORAL

Relativamente à Campanha Eleitoral, para além dos problemas referidos acima constatamos também:

11º Financiamento público dos partidos. A verba inicialmente prevista era de 444 milhões de kwanzas, valor anunciado em meados de Julho de 2022 que passaria para 1.112 milhões de kwanzas, disponibilizados a 15 dias do início da campanha eleitoral, condicionando a visibilidade dos partidos pequenos.

12º A Campanha eleitoral foi marcada pela ausência de debate entre candidatos, pela fraca discussão das ideias ou de propostas de governação, pela divulgação tardia dos manifestos eleitorais, e por discursos que se pautaram por acusações, insultos, racismo e megalomania.

13º Comunicação social pública instrumentalizada. O MUDEI realizou uma monitoria de imprensa para observar a presença dos partidos políticos nos média estatais e constatou que o tempo, espaço e o conteúdo foi quase exclusivamente dedicado, ao executivo e ao partido que o suporta. Concluindo-se que os órgãos de comunicação públicos são canais de propaganda do MPLA.

i) Para resgatar os meios de comunicação públicos, um grupo de cidadãs e cidadãos interpôs uma Acção Popular junto do Tribunal Supremo a 28 de Julho de 2022. A resposta desta instância foi anunciada a 22 de Agosto de 2022, citando como titulares dos interesses em causa os partidos políticos excluídos da arena mediática estatal, condicionando o avanço do processo ao interesse que devia ser manifestado pelas forças partidárias. De resto, o Tribunal Supremo ignorou o interesse e o direito básico de acesso à informação imparcial, de acordo com a ética, a lei de imprensa e a deontologia profissional do jornalista. Pouco antes do início da campanha eleitoral foram feitos investimentos na criação de um novo canal público, TPA Notícias, onde se intensificou a actividade de propaganda.

14º Observadores eleitorais. 2000 Observadores nacionais para 13.338 assembleias de voto que, no final, acabaram por se reduzir a 1 300, entre nacionais e internacionais. O limite estabelecido inviabilizou a participação da maioria das organizações da sociedade civil, impedindo de forma arbitrária a participação de algumas organizações da sociedade civil e de pessoas individuais. Não foi aceite nenhuma das solicitações de credenciais para Observador Nacional, apresentadas à CNE em 3 de Maio de 2022, por membros individuais e colectivos do MC-MUDEI, embora alguns já tivessem sido Observadores em 2017.

15º A colocação de barreiras à utilização de espaços públicos, por parte de organizações da sociedade civil ou de partidos da oposição…

O PROCESSO DE VOTAÇÃO

16º Votar com documento caducado. O anúncio foi feito às 12 horas do dia 24 de Agosto de 2022, pelo porta-voz CNE, Lucas Quilundo. Uma excepção que contraria a regra estabelecida e lança dúvidas quanto à real base de votantes. Nesse dia soube-se também que o fecho das assembleias de voto seria às 16:00 e não às 17:00 como anunciado anteriormente.

17º Campanha contra o “Votou, Sentou”, na média pública, tendo as forças policiais recorrido a argumentos falaciosos e interpretações erradas da lei, com efeito desmobilizador de potenciais eleitores por receio de violência nos locais de voto. Os números finais apontam para uma abstenção acima de 54% na Lunda Norte e 65% no Cunene. A ameaça do uso da força traduziu-se em detenções ilegais de inúmeros activistas nomeadamente, no Uíge, no Moxico, no Lobito, em Luanda, e de intimidações no Kuando-Kubango, no Bié, no Huambo.

18º Não afixação das actas sínteses. Em clara violação do estipulado na Lei Orgânica sobre as Eleições, não houve afixação de actas em todas as Assembleias de Voto, como é exemplo, a do Consulado de Angola em Lisboa. Além de que, se registaram vários relatos de delegados de lista que denunciaram a resistência dos delegados de lista do MPLA em afixar e outros casos em que os presidentes de Assembleias de Voto acataram as ordens superiores para não afixação.

19º A CNE não publicou actas sínteses. A comissão não teve, até então, esta iniciativa que permitirá atestar a transparência, fiabilidade dos resultados apresentados e certificar o número de votantes já que terá sofrido alterações, devido à entrada de última hora dos cidadãos com documentos caducados.

20º A Televisão Pública de Angola divulga primeiro os resultados. Com base numa sondagem, antes da CNE, e contra a lei e sem se ter ouvido nenhum posicionamento contra esta prática.

21º Contagem record. A CNE escrutinou 97,18% dos votos em todo o país e diáspora, em 24 horas, e levou mais de 48 horas para a contagem dos restantes 2,82%. Os votos na diáspora foram aglutinados sem escrutinar as percentagens de cada partido.

22º Partidos políticos concorrentes sem informação prévia. A divulgação dos resultados definitivos foi feita não obedecendo à Lei, na medida em que os resultados foram apresentados sem notificação prévia dos partidos políticos. A UNITA revelou ter sido excluída do processo de divulgação dos resultados.

23º Observadores internacionais “dão dito pelo não dito”. Jorge Carlos Fonseca chefiou a missão de observadores eleitorais da CPLP, já fora de Angola, revelou que a “missão ficou incompleta”, que “as listas eleitorais continham reconhecidamente muitos mortos, cerca de 2 milhões e 700 mil”. Acrescentando que a expressão habitual “eleições livres, justas e transparentes não consta da declaração preliminar da missão de observação eleitoral da CPLP”.

24º Missões Africanas interessadas e críticas. As missões, especialmente as da SADC, da União Africana, da região dos Grandes Lagos e da Comissão Económica dos Estados da África Central, realizaram encontros com diversos actores sociais para se informarem e trocar ideias. Nas suas declarações denunciaram os desvios dos padrões eleitorais previstos nos instrumentos continentais, na Constituição da República de Angola (CRA) e outras leis. Mencionaram a parcialidade da média pública, sinalizaram a interferência do Ministério da Administração do Território na fase de registo eleitoral, e destacaram a falta de neutralidade da CNE devido à sua composição partidarizada.

ASSIM…

Todos estes factos apontam para a instrumentalização das instituições pelo Partido-Estado que, deste modo, controlou e feriu profundamente a credibilidade do processo eleitoral angolano, ao:

a) permitir o empossamento do Presidente da CNE, nas condições antes sumarizadas;

b) fragilizar a Assembleia Nacional com a Revisão pontual Constitucional;

c) aprovar sozinho a Lei Orgânica das Eleições Gerais, permitindo-lhe centralizar a contagem dos votos nacional na sede da CNE;

d) instrumentalizar o Tribunal Constitucional, nomeando como Presidente um membro do bureau político do partido no poder;

e) introduzir a figura do “registo oficioso”, organizado de forma ineficaz e ineficiente a partir de uma instituição pensada para a implementação das Autarquias;

f) considerar o Ficheiro Informático Cidadãos Maiores pronto sem expurgar mais de 2 milhões de falecidos, condenados e outros casos.

g) conduzir uma campanha de desinformação e de sabotagem das acções de recolha de evidências pela sociedade civil.

Esta sucessão de acções são incompatíveis com um Estado Democrático e de Direito e revelam que não existe separação de poderes, conforme previsto na CRA.

As Eleições Gerais de 2022 foram marcadas por um nível de mobilização cívica nunca antes visto, o que comprova a vitalidade das aspirações democráticas da sociedade angolana, particularmente, da juventude.

O respeito por essas aspirações implica que as instituições devem desempenhar o seu papel, desafiando a partidarização e afirmando a sua imparcialidade. Isto inclui:

1. A CNE publicar os dados desagregados e ser reformada;

2. A Imprensa passar por uma reforma profunda, assim como os órgãos de defesa e segurança, particularmente a polícia, mormente, os casos registados de detenção de pessoas por serem da oposição, deveria evoluir para queixa contra os agentes envolvidos;

3. A urgente despartidarização das instituições. »

Nota: Texto integral do comunicado do Movimento Cívico MUDEI, hoje revelado.

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